A novela tumultuosa que se vive na centralidade do Capari, no Bengo é mais uma prova clara que a injustiça, a corrupção e a impunidade ainda coabitam no mesmo palácio com a justiça e ao mesmo tempo demostra quão insensíveis são com o “povoleu” os que tomam as decisões neste país, porque não se consegue perceber a superficialidade com que se está a tratar o processo da reposição da legalidade dos apartamentos que foram ocupados ilegalmente.
Pois, em conversa com um funcionário sênior do governo provincial do Bengo, que pediu anonimato, revelou-nos a razão de ser das invasões dos apartamentos que há mais de dez anos andaram abandonados e transformados num viveiro de insectos.
Este funcionário contou-nos que a principal motivação, foi os ditos invasores se aperceberem que o bloco 8, que comporta aproximadamente 800 apartamentos, não fazia parte das estatísticas do Estado, ou seja, estas casas ocupadas ilegalmente foram construídas com os fundos públicos mas não pertencem ao Estado porque não estão registradas como casas do Estado. O que implica dizer, que há lá um marimbondo, ou mais de um, atrás disto tudo.
Ao se aperceberem disto, os ocupantes ilegais agora escorraçados viram aí a oportunidade de realizar o sonho angolano de “ter uma casa própria”, na esperança de um dia o Governo vir a legaliza-los, mas para a “pouca sorte destes” o dono ( que está acobertado pelo Estado, por sinal) tem vindo a reivindicar as suas casas desde 2019, por isso, o Tribunal da Comarca do Dande exarou a ordem de despejo no sentido de abandonem as casas voluntariamente.
Por sua vez, o advogado dos invasores entende que há em todo este processo uma ação de “má fé” visto que, têm tentado negociar com o Tribunal e o Estado no sentido de serem legalizados e para que passassem a pagar as rendas resolúveis, mas todas as tentativas foram frustradas porque todos os documentos foram rejeitados e o Estado recusa negociar com eles, alegam.
Já o fundo de Fomento Habitacional diz que o bloco 8 está inacabado, por isso é que as casas andaram fechadas e agora poderão dar continuidade as obras e consequentemente proceder à venda.
Mesmo estando estipulado no artigo 85 da Constituição da República de Angola que “Todo o cidadão tem direito à habitação e à qualidade de vida”, o que assistimos sobre este capítulo, e a própria realidade do país, é desolador e totalmente à margem da lei.
Segundo a SOS Habitat só em Luanda há mais de 5 mil famílias que vivem em condições precárias, em casebres e casas de chapa, mas é também em Luanda onde encontramos inúmeras casas em condomínios, centralidades e vivendas (algumas delas recuperadas de gestores públicos) abandonadas e transformadas em pastos de vândalos e ladrões. É um paradoxo que não se encaixa na mente de quem ama este país.
Não se pode negar que é crime o que os “ocupantes” fizeram, mas é também crime vermos milhares de casas fechadas e abandonadas enquanto há milhares de famílias a viverem na rua. Não devemos esquecer que o MPLA em 2012 prometeu que se vencesse as eleições, daria mais de 1 milhão de casas, venceu e nem 100 mil casas conseguiu dar aos angolanos, agora em 2020 a conversa é a mesma.
O Estado como pessoa de bem tem a obrigação de conceder uma habitação condigna a população, e neste caso do Capari ainda que não permita que estas 150 famílias voltem a ocupar os mesmos apartamentos, é responsabilidade do Estado encontrar uma solução para eles porque não podem continuar lançados a sua sorte no meio da rua.
Tendo em conta a situação pandêmica que o país vive, é preciso ter mais amor por estas pessoas porque são angolanos e contribuintes como todos nós e não se deve permitir que continuem nestes aglomerados, o Estado não pode ser responsável pela propagação da COVID-19 só porque alguém quer alimentar o seu ego de ver mais alguns angolanos expostos ao sofrimento, vamos ser sérios por favor.