Pelo menos duas vezes por ano, pastores brasileiros da Igreja Universal, a Iurd, em Angola recebiam uma delicada e arriscada missão: transportar dólares arrecadados em cultos para a África do Sul. O dinheiro, fruto de dízimos e ofertas, seguiria de carro, por estradas, relatou o ex-bispo Alfredo Paulo Filho.
Segundo ele, seriam transportados, geralmente, entre 4 milhões e 6 milhões de dólares por viagem. Cédulas seriam escondidas em malas, no forro de veículos e até em pneus.
A missão sigilosa era reservada aos pastores brasileiros, mais próximos da cúpula da igreja. Religiosos angolanos afirmaram que não tinham acesso às contas da Universal. Como essa transferência de recursos seria ilegal – não declarada –, a operação sigilosa era uma maneira, segundo eles, da igreja espoliar recursos do país – e garantir a irrigação de dinheiro para o império de Edir Macedo. Mais especificamente, para o braço europeu dele.
As denúncias de uma rota de transporte de dinheiro entre África e Europa apareceram pela primeira vez há quatro anos, quando o ex-bispo Alfredo Paulo Filho, responsável pela Universal em Portugal entre 2002 e 2009, passou a fazer denúncias contra a igreja em vídeos na internet. Alfredo rompeu com a Universal em 2013.
Agora, porém, os relatos ganham respaldo de outros religiosos ligados à igreja, também rompidos com Edir Macedo e que passaram a liderar em Angola um movimento chamado de Reforma. Os bispos angolanos Valente Bezerra Luís e Felner Batalha, o brasileiro João Leite, ex-bispo da Universal responsável por Angola até 2017 e o ex-pastor angolano Tavares Armando Cassinda não apenas reforçam as acusações, como, pela primeira vez, também revelam mais detalhes sobre a suposta rota de remessas de dinheiro da África para a Europa.
“Tenho conhecimento de que havia evasão de divisas, e o dinheiro ia para a África do Sul”, me disse Felner Batalha, vice-líder da Iurd em Angola até 2018 e, até essa época, o então auxiliar imediato do bispo João Leite no comando da igreja no país. Para o bispo Batalha, a Universal arrecadaria em Angola algo entre 50 milhões e 60 milhões de dólares ao ano.
Já o bispo Valente Luís, o vice-líder da Iurd em Angola depois de Batalha, até 2019 – e agora apontado com o novo líder da reforma angolana –, o montante anual dos dízimos e ofertas recolhidos superaria os 80 milhões de dólares. “Angola sustenta Portugal e a Europa”, afirmou o brasileiro João Leite, em um áudio publicado no YouTube, em abril de 2019. O ex-homem forte da Universal no país também rompeu com Edir Macedo após ser flagrado em um caso de adultério – confessado em vídeo. Segundo Leite, somente de Moçambique, um país vizinho, teriam saído, dois anos antes, 4 milhões de dólares para a África do Sul.