Compradores arriscam-se a ver contratos anulados

Impossibilidade de continuar com o pagamento da renda resolúvel está na base dos trespasses ilegais. Comercialização começa a partir dos 16,5 milhões de kwanzas. Jurista alerta que contratos de trespasse podem ser anulados.

É pela internet que são divulgadas e negociadas as vendas de apartamentos nas centralidades do Kilamba e KK-5.000, através de ‘contratos’ de transferência de titularidade, os chamados trespasses. Os preços começam a partir dos 16,5 milhões de kwanzas, isso para um apartamento T3+1, sem grandes remodelações e com apenas três anos de pagamento de renda resolúvel. Caso o imóvel tenha sido remodelado, o preço é negociado a partir dos 20 milhões de kwanzas, mas há quem conclua a venda com mínimos de 18 milhões. Se comparados aos de 2019, os preços registaram aumento médio de quase 4 milhões de kwanzas, já que, na altura, um T3+1 era negociado entre 12,5 e 13 milhões.

Para um T5, a negociação inicial é de 25 milhões de kwanzas, valor que pode reduzir para entre 21 e 20 milhões, na eventualidade de o interessado estar pronto a pagar e se tiver alguns anos de renda resolúvel liquidados.

O preço do apartamento é fixado, independentemente da tipologia, com base nas condições de habitabilidade, remodelações feitas e os anos de pagamento de renda resolúvel. Ao que ao VALOR pôde apurar, a maioria dos apartamentos comercializados, de forma ilegal, com destaque nos blocos X, W e Z do Kilamba, tem apenas dois a três anos de rendas pagas ao Estado. Pelo que muitos acumulam dívidas de cinco a seis anos.

Vários intermediários, figuras que geralmente dão cara ao negócio nas redes sociais e sites de venda de imóveis, asseguram tratar-se, entretanto, de vendas legais. E, inclusive, como forma de “passar confiança”, referem que o documento (trespasse), depois de assinado pelas partes, é reconhecido pelo notário.

À margem da lei

A verdade é que a venda de residências nestas centralidades sob gestão do Fundo de Fomento Habitacional (FFM) é ilegal, ainda que decorram sob o olhar desta entidade.

O advogado Aldemiro Quintas alerta que os residentes somente podem efectuar trespasse quando concluírem o pagamento total da habitação, pelo que o acto representa má-fé. “O contrato de compra do Fundo Habitacional é claro, não reconhece a figura do trepasse enquanto não se fizer a liquidação total das prestações na modalidade de renda resolúvel pelo único assinante do imóvel diante do Estado.

Portanto, é ilegal fazer o trespasse”, explica, avançando que o “Estado pode anular o contrato com esses promitentes-compradores ou encontrar uma forma para negociar as dívidas, uma vez que as falhas constantes decorrem da desorganização das instituições do Estado por não ter mecanismos de controlo eficiente.”

Como alerta o jurista, o recebimento da figura do trespasse pelo notário “não dá valor jurídico-legal” da aquisição do imóvel. “Até as cláusulas contratuais são claras quanto a isso, o locatário, ao fazer isso, estará agir de má-fé”, insiste Aldemiro Quintas.

Em Janeiro deste ano, durante a apresentação do portal de candidatura às casas da centralidade do Zango 5, o administrador do Fundo de Fomento Habitacional, Adilson Sousa e Silva, reconheceu a existência de aquisição de residências através de trespasse na centralidade do Kilamba. E, sem desencorajar a prática ou adiantar medidas de fiscalização, referiu que é considerado único proprietário do imóvel quem celebrou contrato com o FFH.

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