Armando Estrela
4 de Agosto, 2020
A consultora Deloitte & Touche-Auditores, que audita grande parte das empresas do sector público angolano, apontou reservas aos relatórios de contas de 2019, apresentados por cada uma das instituições por si auditadas, por entender que alguns procedimentos contabilísticos e fiscais são susceptíveis de serem questionados por parte das autoridades fiscais.
Cinquenta relatórios, de um total de 80 empresas públicas sob tutela do Instituto de Gestão de Activos e Participações do Estado (IGAPE) foram tornados públicos, entre os quais de três empresas do sector das Minas e Petróleo que, apesar das boas referências encontradas num conjunto de actividades implementadas no ano passado, criaram ao auditor independente “nuvens cinzentas”.
O auditor levanta um conjunto de insuficiências, entre as quais o facto de até 30 de Junho passado não terem sido fornecidas respostas, por parte de determinadas entidades, aos pedidos formulados de confirmação de saldos e outras informações, além de alguns “erros fundamentais” previstos no Plano Geral de Contabilidade, como disparidades nas referências do câmbio.
O relatório do perito independente, no caso a Deloitte, incorpora um conjunto de limitações aos documentos, já que não garantem que tenham sido realizados todos os procedimentos considerados necessários, para concluir quanto à razoabilidade do reconhecimento da contabilidade apresentada, pela ausência de títulos de registo de propriedade para activos imobilizados.
No caso da Endiama (Empresa Nacional de Diamantes), o auditor também colocou “nuvens cinzentas” aos montantes a receber de subsidiárias e associadas, de aproximadamente 2.373 milhões de kwanzas, já que não foi possível apurar o momento e o montante de realização das mesmas.
Entre outras situações, o auditor aponta a ausência de títulos de registo de propriedade para activos imobilizados com um valor líquido contabilístico no montante de 18.175 milhões de kwanzas. “Salienta-se que a contabilização destes activos revalorizados resultaram no registo de um proveito na rubrica ‘Resultados não operacionais – Outros proveitos e ganhos não operacionais’ no montante de 1.611 milhões de kwanzas”, indica o auditor.
Na mesma esteira e na sequência do aumento da participação financeira da Endiama na Sociedade Mineira de Catoca, de 32,8 por cento para 41, o auditor destaca que “não se encontram reconhecidos nas demonstrações financeiras os direitos, bem como as correspondentes obrigações, resultantes da subscrição do referido aumento de participação, decorrente do não registo da liquidação do aumento desta participação social”.
A Endiama terminou o ano de 2019 com um resultado líquido de 17.606 milhões de kwanzas, um salto de 150,49 por cento em relação a 2018, e com perdas operacionais de 4.248 milhões de kwanzas, que representam 55,68 por cento acima daquilo que foi registado no ano anterior.
Sodiam mostra “furos” com investimento financeiro
Igual referência foi feita pela Deloitte à contabilidade da Sodiam (Empresa Nacional de Comercialização de Diamantes de Angola), na qual, além das preocupações transversais de contabilidade feitas à Endiama, sobressai o facto de não ter havido reconciliação entre os saldos expressos nos registos contabilísticos da empresa e os constantes nas respostas obtidas de determinadas entidades.
Na Sodiam, outra das preocupações do auditor está relacionada com investimentos financeiros, como os 38,3 mil milhões de kwanzas cedidos ao Voctoria Holding, Limited (empresa que reparte participações de 50 por cento na sociedade com a Sodiam) e os 35,6 mil milhões a receber dessa entidade societária, sendo 24,2 mil milhões de juros suportados do financiamento contraído junto do BIC.
Neste capítulo, a consultora avança que “não obteve informações suficientes que nos permitam concluir quanto à realização futura do investimento financeiro, suprimentos e das contas a receber da participada acima referida, nem quanto ao montante de eventuais perdas e responsabilidades por registar naquela data (31 de Dezembro de 2019), decorrentes da sua situação financeira”. Ainda assim, relativamente à Sodiam, a Deloitte dá nota positiva à actividade de recuperação, análise e reconciliação de um conjunto de saldos no relatório de 31 de Dezembro de 2018, processo do qual resultou a contabilização de custos e ganhos relacionados com exercícios anteriores, na rubrica “Resultados Operacionais”.
A consultora diz que “no decurso da nossa análise à rubrica ‘Estado e outros entes públicos’ verificamos que se encontra contabilizado a crédito, naquela rubrica, um montante de aproximadamente 2.989.807.400 kwanzas (1.697.338.500 kwanzas em 2018), que resulta de saldos migrados do anterior sistema contabilístico, bem como da ausência da compensação de pagamentos e regularização por parte da empresa”.
A 31 de Dezembro de 2019 a Empresa Nacional de Comercialização de Diamantes de Angola obteve um resultado líquido de 9.918 milhões de kwanzas, ligeiros 4,07 por cento acima do valor conseguido no exercício de 2018. As contas da Sodiam vão continuar a ser influenciadas pelos efeitos do novo coronavírus, que também continua a transmitir sinais negativos aos mercados financeiros mundiais.
O Conselho Fiscal da Sodiam já garantiu serem “apropriadas” as observações feitas, a 20 de Maio passado, pela Deloitte & Touche-Auditores e sublinha que as reservas apontadas “foram consideradas reservas por limitação e âmbito, por reportarem operações realizadas nos exercícios anteriores a 2019, sendo que nos foi possível verificar que o novo Conselho de Administração continua a envidar esforços, no sentido de eliminar as situações passíveis de base de opinião para reservas”.
Note-se que uma auditoria envolve executar procedimentos para obter prova acerca das quantias e divulgações constantes das demonstrações financeiras, que muito dependem do julgamento do auditor, incluindo a avaliação dos riscos de distorção material das demonstrações, devido a fraude ou a erro. Ela é conduzida de acordo com as Normas Técnicas da Ordem dos Contabilistas e Peritos de Contabilistas de Angola.
Ferrangol sem procedimentos para assegurar crédito
A avaliação da Deloitte às contas apresentadas pela Ferrangol (Empresa Nacional de Ferro de Angola – Empresa Pública) difere um pouco daquilo que foi constatado na Endiama e Sodiam, pois, o auditor sustenta que “no decurso da nossa análise aos procedimentos associados ao controlo e reconhecimento da receita, constatamos que não se encontram instituídos procedimentos e controlos tendentes a assegurar que as operações de rédito foram registadas na sua plenitude e que efectivamente ocorreram nos exercícios em que são registadas”.
Para o auditor, é importante reter que as demonstrações financeiras do exercício findo a 31 de Dezembro de 2018, apresentados para efeitos comprovativos, encontram-se pendentes de homologação ou aprovação por parte dos órgãos de tutela, ainda que o Conselho de Administração admita que tal não vai ter um impacto significativo nas demonstrações financeiras do ano de 2019.
Outrossim, a Deloitte chama atenção pelo facto de as demonstrações financeiras apresentadas pela Ferrangol em 2018 terem sido auditadas por outros auditores, que emitiram uma escusa de opinião a 30 de Abril de 2019, que inclui reserva quanto à recuperação de saldos das rubricas de investimentos em subsidiárias e associadas e de “Contas a receber – Participantes e Participadas”, que foram provisionados, na totalidade, no exercício de 2019.
A auditora dá conta que em consequência da reserva relacionada com a especialização de ajustamentos contabilísticos na rubrica “Resultados Transitados” os capitais próprios da empresa foram diminuídos em 2.249 mil milhões de kwanzas. Actualmente, o capital está fixado em 758,6 milhões de kwanzas, que inclui um resultado líquido de 251,362 milhões.
As empresas do sector empresarial público desenvolvem a sua actividade, predominantemente, nas áreas de Energia e Águas (onde actuam 21 empresas), Transportes (16), Finanças (oito), Agricultura e Pescas (nove) e Telecomunicações e Comunicação Social (sete).
No exercício de 2019, o sector empresarial público foi composto por 86 empresas, das quais 68 públicas, 12 do domínio público e seis onde o Estado detém participações minoritárias.
Assim, do universo do sector empresarial público 80 empresas têm o dever de prestação de contas, das quais 50 procederam à apresentação das contas conforme requerido. Nas próximas semanas será feita a compilação e análise das contas para a produção do “Relatório Agregado do Sector Empresarial Público” referente às contas de 2019.