O jurista Rui Verde defende que o combate à corrupção em Angola deve ser sistemático e que o dinheiro já recuperado a favor do erário angolano deve ser “visivelmente” aplicado em benefício da população.
O especialista em Direito e investigador da Universidade de Oxford, que vai publicar um novo livro intitulado Angola at the Crossroads. Between Kleptocracy and Development (Angola numa encruzilhada. Entre a Cleptocracia e o Desenvolvimento) em março, considera que a luta contra a corrupção, bandeira do Presidente angolano João Lourenço, começou de forma adequada e bastante focada, ao contrário do que acontece agora em que está “atomizada”.
Rui Verde defende, por isso, que os processos ligados ao ex-vice-presidente Manuel Vicente, família dos Santos e aos generais angolanos, devem ter alguma simultaneidade temporal porque as questões estão interligadas.
“Se não o fizer, perde-se o fio à meada do ponto de vista da estratégia anticorrupção”, assinalou.
Por outro lado, a população tem de sentir os benefícios deste combate.
“Uma parte do dinheiro que já foi recuperado devia ser visivelmente investido em benefícios para a população e nesta parte [João Lourenço] está a falhar, fala-se em recuperações, mas ainda não se está a ver o resultado”, disse à Lusa.
Para o académico, o chefe de Estado angolano deve corrigir estes dois aspetos, promovendo um combate à corrupção mais sistemático e tratando de alguns casos “em rede”, além de mostrar resultados palpáveis “dos famosos milhões” já recuperados, em termos de melhoria para a vida da população.
Desde que Joao Lourenço subiu ao poder, tendo no combate a corrupção a sua principal bandeira, membros da família dos Santos e outros dirigentes ligados ao anterior presidente, José Eduardo dos Santos, têm estado na mira da justiça angolana, levando alguns analistas a falarem sobre justiça seletiva.
Rui Verde considera que se trata de uma fase de transição: “no caso angolano a corrupção é uma questão estrutural que impede efetivamente o desenvolvimento. O dinheiro que vai para a corrupção não vai para o desenvolvimento. Neste momento, estamos na transição”.
No dia 29 de dezembro, o Procurador-Geral da República (PGR) angolano anunciou hoje que o Estado angolano recuperou, definitivamente, em dinheiro e bens num total de cerca de 5,3 mil milhões de dólares (4,3 mil milhões de euros) e que existem 1.522 processos relacionados com a criminalidade económica.
Hélder Pitta Gróz explicou que entre os bens recuperados, estimados em 2,6 mil milhões de dólares (2,1 mil milhões de euros), estão imóveis habitacionais, escritórios, edifícios, fábricas, terminais portuários, participações sociais em empresas, entre outros.
Segundo o PGR, no plano do “combate à impunidade”, foram abertos milhares de ações em todo o país, nas mais diversas jurisdições e áreas de atuação do Ministério Público (MP), destacando-se 1.522 processos relacionados com a criminalidade económico-financeira e patrimonial.
Entre os processos relacionados com crimes de natureza económico-financeira destacam-se os de peculato, branqueamento de capitais, recebimento indevido de vantagens, participação económica em negócio, corrupção ativa e passiva e burla por defraudação.
O magistrado do MP anunciou também que foram apreendidos e/ou arrestados bens móveis e imóveis, constituídos com fundos públicos ou com vantagens do crime, no valor equivalente a cerca de 4,2 mil milhões de dólares (3,4 milhões de dólares) tais como fábricas, supermercados, edifícios, imóveis, residências, hotéis, entre outras.
Hélder Pitta Gróz deu conta igualmente que o Serviço Nacional de Recuperação de Ativos (SNRA) da PGR solicitou às suas congéneres no exterior do país a apreensão e/ou arresto de bens e dinheiro no valor de 5,4 mil milhões de dólares (4,4 mil milhões de euros), nomeadamente na Suíça, Holanda, Luxemburgo, Portugal, Reino Unido, Singapura, Bermudas, entre outros países.
Figuras ligadas ao ex-presidente como os generais Manuel Hélder Vieira Dias Júnior, “Kopelipa”, e Leopoldino Fragoso do Nascimento, “Dino”, respetivamente antigos chefes da Casa Militar e da Casa de Segurança de José Eduardo dos Santos, foram já constituídos arguidos, bem como a filha, a empresaria Isabel dos Santos a quem o Estado angolano reclama mais de cinco mil milhões de dólares.
O filho do ex-chefe de Estado José Filomeno “Zenu” dos Santos foi, no ano passado, julgado e condenado a cinco anos de prisão, no âmbito do caso “500 milhões”, relacionado com o Fundo Soberano de Angola, a que presidiu entre 2012 e 2017, estando atualmente em fase de recurso.
O antigo presidente da petrolífera estatal Sonangol e ex-presidente angolano Manuel Vicente é outra das figuras em investigação, não tendo sido constituído arguido até ao momento.
O antigo homem forte de José Eduardo dos Santos, cujo nome surge envolvido em vários escândalos de corrupção tem estado a salvo das investigações criminais, com base na Constituição angolana que concede uma imunidade aos antigos titulares deste cargo, que só terminaria cinco anos após o fim do mandato, em setembro de 2022.
Fonte: Lusa