Sem espectadores, Jimmy Kimmel apresentou a 72º edição dos Emmys. Os prémios de televisão americanos consagraram várias produções da HBO, secundarizando os rivais da Netflix. Nas categorias de série de comédia, a produção canadiana “Schitt”s Creek” conseguiu a proeza de vencer em todas as categorias

Como realizar uma cerimónia de entrega de prémios apesar das limitações impostas pela pandemia? Eis uma pergunta a que os Emmys de 2020 quiseram responder de forma festiva… E também inevitavelmente amarga.
De tal modo que o discurso de apresentação de Jimmy Kimmel foi encenado através de uma hábil montagem: por cada uma das suas piadas, vimos muitas celebridades a rir e a aplaudir… Só que eram imagens de cerimónias anteriores, já que, tal como tinha sido anunciado, Kimmel esteve quase sempre sozinho (no Staples Center, em Los Angeles), tendo de vez em quando a companhia de convidados, um a um, mantendo a devida distância.
Para a história, a 72ª edição dos prémios da Academia das Artes e Ciências da Televisão dos EUA ficará, por certo, como uma das mais complexas no plano logístico. Isto porque tudo aconteceu como uma gigantesca sessão de Zoom ou Skype, com ligações às casas de mais de uma centena de possíveis vencedores, em uma dezena de países. E também com a entrega dos prémios “in loco”.
E se a Netflix, com 37 nomeações, terá sido encarada por muito boa gente como uma espécie de vencedora antecipada destes Emmys, o mínimo que se pode dizer é que o balanço final desmente por completo tal previsão. Se os “oscars” da televisão definem o cenário de uma batalha mediática por prestígio e popularidade, com consequências importantes quanto mais não seja no plano simbólico, então o saldo é inequívoco: a HBO, que contava com 31 nomeações, “esmagou” a Netflix. Que é como quem diz: 11 Emmys para a HBO, 2 para a Netflix.
Succession e Watchmen, vencedoras nas categorias de melhor série dramática e melhor mini-série, respectivamente, foram os grandes trunfos da HBO, tendo cada uma ganho quatro Emmys. Watchmen fica para a história como a primeira série inspirada numa obra de banda desenhada a ganhar um dos principais Emmys. Entre as restantes distinções para a HBO inclui-se ainda a de melhor atriz numa série dramática, atribuída a Zendaya, em Euphoria, derrotando Olivia Colman em The Crown (Netflix), porventura a mais inesperada derrotada da cerimónia – tinha seis nomeações e ficou a zero.
Em termos estatísticos, a mais espectacular vencedora da noite foi, sem dúvida, Schitt”s Creek, produção canadiana criada por Eugene Levy e Daniel Levy (pai e filho) que arrebatou nada mais nada menos que sete Emmys. Que é como quem diz: todos os que havia para atribuir nas categorias de série de comédia.
Seja como for, toda esta contabilidade deve ser completada (e relativizada) pelos chamados Emmys “criativos”, atribuídos em cerimónias realizadas nos dias anteriores ao espectáculo de domingo à noite. Um pouco à maneira dos Óscares, esses são, sobretudo, prémios para categorias técnicas, no caso dos Emmys completados por algumas distinções específicas, como melhor telefilme ou melhor ator convidado numa série de comédia – Bad Education (HBO) e Eddie Murphy (Saturday Night Live, NBC) foram os respectivos vencedores. Tendo em conta esses prémios, a derrota da Netflix fica, pelo menos, algo atenuada: 30 Emmys para a HBO, 21 para a Netflix.
Refletindo as convulsões dos tempos, Kimmelaplicou o seu humor ácido para lembrar que estes Emmys são o saldo de “um ano miserável, um ano de divisão, injustiça, doença, escola por Zoom e morte.” Citando as iniciais da palavra de ordem de Donald Trump (“Make America Great Again”), completou o seu sarcasmo esclarecendo as razões da sua solidão em palco: “Claro que estou sozinho aqui. Isto não é um comício MAGA, isto são os Emmys”.
Várias vozes lembraram a importância do voto nas eleições presidenciais que vão opor Trump e Joe Biden, com destaque para o discurso emocionado de Mark Ruffalo, distinguido na categoria de melhor ator pelo seu papel na mini-série da HBO, I Know This Much Is True (em boa verdade, são dois papéis, já que ele interpreta um par de gémeos).
O desabafo político mais original ou, pelo menos, mais desconcertante terá pertencido a Jesse Armstrong, criador e argumentista de Succession. Ao receber o prémio que encerrou a noite (melhor série dramática), Armstrong entrou também para a história, não com um agradecimento, mas sim uma pequena antologia de “des-agradecimentos” (“un-thank yous”). Disse ele, a partir de Londres:
“Impedido de confraternizar com os nossos companheiros, elenco e equipa técnica, creio que devo fazer uma série de “des-agradecimentos”. “Des-agradeço” ao vírus que nos manteve separados ao longo deste ano. “Des-agradeço” ao Presidente Trump pela sua lamentável e descoordenada resposta. “Des-agradeço” a Boris Johnson e ao seu governo por fazerem o mesmo no meu país. “Des-agradeço” a todos os nacionalistas e aos governos quase-nacionalistas de todo o mundo por fazerem exatamente o oposto do que agora necessitamos. E “des-agradeço” aos magnatas dos media que tanto fazem para os conservar no poder.