Isabel dos Santos era a “princesa” da média portuguesa.

A empresária que se encontra agora no epicentro do Luanda Leaks não deu muitas entrevistas à imprensa internacional, mas, na última década, esteve por vezes sob os holofotes e foi nomeada em diversas listas de personalidades influentes. Procurou passar a imagem de uma riqueza construída com base no trabalho, mas as questões sobre o nepotismo não a largaram

m julho de 2007, fontes citadas num artigo do “Público” sobre a expansão dos negócios de Isabel dos Santos em Portugal descreviam aqueles que eram considerados os principais traços da sua personalidade: “‘uma boa empresária’, ‘extremamente dinâmica e inteligente’, ‘profissional’ e, apesar de ser uma ‘dura negociante’”, também “correta”, “afável”, “simpática” e “bonita”. Em Angola, chamavam-lhe “princesa imbatível”.

Mesmo que à época já não fosse um retrato unânime – no artigo também são levantadas questões sobre a origem dos capitais da família Dos Santos e referidas investigações em França –, os adjetivos dão uma ideia da imagem projetada durante muitos anos em Portugal pela empresária – e que ela gostaria de ter visto refletida noutras partes do mundo.

E, de facto, não era apenas em Portugal que os alegados feitos empresariais de Isabel dos Santos eram descritos sem que fosse grandemente questionada a origem da fortuna ou a lisura dos meios obtidos para a fazer crescer. Em 2015, por exemplo, a BBC elegia-a como uma das 100 mulheres mais influentes e inspiracionais do mundo nesse ano.

Nesse contexto, em entrevista, dedicou uma boa parte do discurso ao atraso de Angola em termos de educação. “É ainda o nosso ponto fraco. Se alguém quer ajudar África tem de perceber como ajudar as universidades a ganhar mais conhecimento e também conhecimento em agricultura e engenharia civil. Temos de saber mais”.

Há pouco mais de três anos, o site “Político” considerava-a uma das 28 personalidades capazes de transformar a política e as ideias na Europa em 2017, apontando-a como potencial sucessora do pai na presidência de Angola.

“Para os fãs, ela é um exemplo, uma engenheira que batalhou para chegar ao topo de um mundo dominado pelos homens, produzindo uma imagem cheia de glamour em Lisboa, ao lado do marido congolês Sindika Dokolo, um dos grandes patronos da arte contemporânea africana”, pode ler-se no artigo, em que se sublinha, também, o facto de conseguir falar sete línguas, russo incluído.

Depois vem o lado negro: “Para os críticos, ela é um símbolo de um regime corrupto, uma ‘princesa’ que se tornou rica à conta do poder despótico do papá num país devastado pela desigualdade”. Acrescenta-se, depois, que estava a tentar aumentar a transparência na Sonangol, cuja presidência então ocupava.

A EXPOSIÇÃO NAS REDES SOCIAIS

O breve perfil do “Político” começa por sublinhar a presença de Isabel dos Santos nas redes sociais, nomeadamente no Facebook, onde parece mais “uma adolescente despreocupada” do que uma empresária que tem nas mãos “um império de negócios multimilionário”.


A verdade é que a angolana chegou a ser conhecida por nunca dar entrevistas e raramente ser fotografada. O paradigma parece ter mudado algures em meados da década passada e era ainda referido quando aceitou almoçar com um jornalista do “Financial Times”, em março de 2013. Conta Tom Burgis, um antigo correspondente do jornal em África, que já tinha pedido a entrevista há mais de um ano.



A razão para ter aceitado parecia estar relacionada com a vontade da mulher mais rica de África em entrar no circuito da primeira divisão mundial dos negócios – deveria, aliás, ter participado esta semana no Fórum Económico Mundial, em Davos, na Suíça. Mas o convite foi-lhe retirado devido à eclosão do escândalo Luanda Leaks.

Mas voltemos ao “Financial Times”. Falando da sua infância, Isabel dos Santos proferiu uma frase que foi depois ridicularizada: “Tive sentido para os negócios desde muito nova. Vendia ovos quando tinha seis anos”. Para alguns analistas, a frase só faria sentido se os ovos fossem de ouro.

A empresária disse ter sido mal interpretada. Quatro anos depois, ao “The New York Times”, clarificou que apenas quis dizer que, “desde muito nova, já possuía um espírito empreendedor”. Explicou, também, que a sua fortuna começou com uma pequena empresa de distribuição de bebidas e logística, na restauração – pôs de pé o Miami Beach Club, um dos primeiros clubes e restaurantes de alto nível em Luanda – e nas comunicações. A Unitel, hoje a operadora de telecomunicações líder em Angola, terá partido de uma experiência “com walkie-talkies”.

“Comecei por vender o meu carro. Tinha cerca de 30 mil dólares nos bolsos”, recorda. Uma verba que, ainda assim, em valores de 2019, representa mais de quatro vezes o rendimento médio anual per capita dos angolanos.

A entrevista ao “Financial Times” não terá corrido tão bem como Isabel dos Santos esperava. Desde logo, no primeiro parágrafo, aparece a inevitável referência ao pai, então ainda no poder: “O seu regime tem-se tornado, de acordo com os críticos, sinónimo de desvio de dinheiros públicos para bolsos privados”.

“Não estou envolvida na política e nunca tive qualquer papel na política. Nunca tive um emprego na administração pública. Não trabalho com o Governo”, garantiu a empresária, que tentou vender a narrativa da emergência de uma classe média africana, algo que o jornalista também põe em perspetiva.

A visão de Isabel dos Santos como “self made woman” terá sido comprometida – ao bom estilo inglês, nota-se a ironia de Burgis na descrição do encontro. “A maior parte dos rumores que ouviu sobre mim não são verdade”, ainda atirou a entrevistada.

UMA EMPRESÁRIA QUE “CONHECE O CHEFE”


Outra entrevista de relevo foi dada ao “The Wall Street Journal”, em fevereiro de 2016. O contexto não era o melhor: a Comissão Europeia questionava então as autoridades portuguesas sobre a venda de 66,1% do capital da Efacec à empresária, no âmbito da legislação europeia de prevenção e combate ao branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo. A revista “Forbes” avaliava, então, o seu império em 2,8 mil milhões de euros, uma quebra de mais de 500 milhões em dois anos.

“Não sou financiada por dinheiro do Estado de Angola nem de fundos públicos”, voltava a garantir. “Sou tremendamente independente. Sempre desejei triunfar sozinha e não estar na sombra dos pais”.

O texto dedica-se maioritariamente a questionar Isabel dos Santos sobre as opções do seu grupo empresarial, nomeadamente os investimentos da Unitel e o desentendimento sobre o destino do BPI, banco do qual acabaria por sair.

No entanto, o contraditório não deixa de ser feito. É citado Alexander Thomson-Payan, responsável da TGI – rival da Unitel em Angola – que reconhece que Isabel dos Santos faz tudo “rapidamente e eficientemente” em termos de negócios. “Afinal de contas, ela conhece o chefe”, ironiza.

Para além disso, estabelece-se o paralelo entre o facto de Angola ser uma das cidades mais caras do mundo, ao mesmo tempo que “dois terços dos 24 milhões de habitantes do país vivem com menos de dois dólares”.

Mais uma vez, não terá sido a entrevista perfeita, assim como Isabel dos Santos também dispensaria o mais recente ponto do seu perfil no site da “Forbes”, revista norte-americana dedicada a assuntos económicos: “em dezembro de 2019, um tribunal emitiu uma ordem de arresto dos seus bens em empresas angolanas, parte de um processo relacionado com verbas que serão devidas à petrolífera estatal”.

Ainda assim, a ficha tem coisas muito agradáveis: uma fortuna estimada em 1,9 mil milhões de euros, o 13.º lugar na lista dos bilionários africanos de 2020 e o 1008.º lugar a nível mundial, em 2019. E, quanto à origem da sua fortuna, a razão apontada é só uma: “investimentos”.

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