O especialista britânico Jeremy Farrar prevê que no verão de 2021 haja uma redução do contágio e um regresso a uma certa normalidade. Mas avisa que o vírus não vai desaparecer e que vamos ter de viver com ele.
“Não há fim” para a pandemia de covid-19 e vamos ter de conviver com o vírus durante muitos anos. Quem o diz é Jeremy Farrar, o médico que dirige a ONG britânica Wellcome Trust, dedicada à investigação científica, e um dos primeiros a alertar para os primeiros casos de uma infeção respiratória desconhecida detetados na cidade chinesa de Wuhan, em 2019. O vírus, considera agora o especialista, “permanecerá na população por muitos anos e talvez para sempre”.
“Temos de aprender, através de tratamentos e vacinas, a controlar a doença, a reduzir o seu impacto e a conviver com ela, como fazemos com a gripe, outros coronavírus ou o VIH. [O vírus] não está a desaparecer”, faz saber o britânico numa entrevista ao El País. “É um vírus de origem em animais que encontrou pessoas, que já é endémico em populações humanas e que continuará a ter repercussões em todo o mundo. Atualmente, não há como escapar disso”, avisa.
Apesar do atual momento, em que vários países enfrentam uma nova vaga de infeções, como acontece em Espanha, França, Reino Unido e também em Portugal, Farrar acredita que o regresso a uma “certa normalidade” poderá acontecer no próximo ano. Tudo irá depender do desenvolvimento da ciência no combate à covid-19.
“Acho que [medicamentos e vacinas] vão chegar em 2021. Penso que teremos resultados em novembro e dezembro deste ano. E teremos boas vacinas em 2021, que podem estar disponíveis para todas as pessoas que precisam delas no mundo. E esse será o início de uma nova era em 2021. A sociedade vai voltar a uma certa normalidade”, considera. Mas não se pense que será a vida que tínhamos antes da pandemia, faz notar o especialista. Será “um pouco diferente”.
Para alcançarmos esta certa normalidade, a vacina contra a doença vai ser fundamental, mas tem de existir uma estratégia para que haja resultados. “Se vacinarmos 20% ou 30% da população de cada país, podemos voltar à normalidade”, defende o médico britânico.
“A maneira de salvar vidas, abrir a economia e reabrir escolas é vacinar algumas pessoas em todos os países. Esta é a maneira mais rápida de sair desta pandemia.”
Segundo o especialista, a solução passa por vacinar só algumas pessoas em alguns países e não todas num país. Na linha da frente na vacinação devem estar as pessoas que pertencem aos grupos de risco, como os idosos e os doentes crónicos, e as que estão mais expostas ao risco de contágio, como os profissionais de saúde, defende. “São eles que estão a adoecer e a morrer. Se se vacinar essas pessoas em todos os países, vamos reduzir a transmissão, salvaremos vidas e faremos a economia funcionar novamente”, afirma.
Jeremy Farrar considera que esta é a forma mais rápida para sair da pandemia, para que a vida volte à tal normalidade, que não deverá ser igual à que tínhamos antes da covid-19. “A razão pela qual é tão importante vacinar algumas pessoas em todos os países – em vez de todas as pessoas num país – é que precisamos fazer a economia funcionar novamente. Precisamos das escolas para que as crianças tenham oportunidades no futuro. Precisamos de universidades e empresas para voltar ao trabalho”, argumenta.
E é desta forma que rapidamente podermos ver a economia a recuperar e as vidas a serem salvas, sublinha o especialista.
“A maneira de salvar vidas, abrir a economia e reabrir escolas é vacinar algumas pessoas em todos os países. Esta é a maneira mais rápida de sair desta pandemia”, reforça Farrar, considerando que não pode haver lugar para nacionalismos na aquisição e na distribuição de vacinas numa altura em que o mundo enfrenta uma situação sem precedentes. “A pandemia não vai acabar se fizermos isso. Temos de estar juntos. Temos de decidir nas próximas semanas se nos vamos unir ou separar.”
Até porque, após a aprovação da vacina, “não seremos capazes de vacinar sete mil milhões de pessoas. É impossível. Precisamos de pensar na melhor maneira de usar as vacinas para permitir que todos os países recuperem, para que as economias cresçam e as crianças voltem à escola”.
O médico britânico não tem dúvidas de que esta estratégia de vacinação “é a coisa certa a fazer-se do ponto de vista científico”.
Diz-se otimista quanto a uma vacina contra a covid-19, mas transmite uma mensagem de cautela.
“Existem nove vacinas experimentais na última fase de desenvolvimento. Não sabemos quais é que vão funcionar. Primeiro temos de verificar se são seguras”, nota o especialista que dirige a ONG Wellcome Trust, que financia as vacinas que estão na fase mais avançada, entre as quais a da Oxford/AstraZeneca.
São precisos mais de 30 mil milhões de dólares para testes, tratamentos e vacinas
A Wellcome Trust está também envolvida na iniciativa internacional ACT Accelerator, promovida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), para acelerar o desenvolvimento e a produção de testes, vacinas e tratamentos contra a covid-19.
“Para ter os medicamentos e as vacinas de que necessitamos, precisamos de 35 mil milhões de dólares. Este seria o melhor investimento da história da humanidade”, referiu o médico britânico, que destaca a importância da iniciativa da OMS na angariação de fundos para o combate à pandemia. “O ACT Accelerator une o mundo, partilha os riscos e os benefícios e oferece uma visão de como sair da pandemia através da ciência.”